Apesar das fortes críticas dirigidas ao recém-aprovado projeto da lei de abuso de autoridade, é outra proposta que ainda tramita no Congresso que tem tirado o sono de integrantes dos Ministérios Públicos estaduais por todo o País. O receio de perder benefícios com a reforma da Previdência provocou uma corrida por aposentadorias de procuradores e promotores de Justiça, a ponto de ameaçar o andamento de inquéritos por falta de investigadores. Em São Paulo, 69 promotores e procuradores já se aposentaram só neste ano, segundo levantamento feito pelo MP paulista a pedido do Estado. O número é cinco vezes maior do que as 13 aposentadorias registradas no mesmo período do ano passado. Em 2017, quando o governo do ex-presidente Michel Temer tentou aprovar sua reforma previdenciária, foram 26 “baixas”. A situação elevou em 21% o número de cargos vagos na Promotoria em apenas seis meses – de 299 para 362 – e acendeu o sinal de alerta do chefe da instituição.
“É um quadro que preocupa, está acima da média. Sem dúvida, tem relação com a reforma da Previdência, que precisava garantir direitos adquiridos da carreira. A função do Ministério Público é árdua, desgastante, o volume de trabalho é enorme. É preciso que a gente tenha contrato de trabalho competitivo para fazer frente aos desafios que nos são impostos. A aposentadoria faz parte de contrato”, disse o procurador-geral de Justiça, Gianpaolo Smanio. Integrantes do Ministério Público compõem a elite do funcionalismo e têm como teto salarial 90,25% da remuneração do procurador-geral da República (PGR) ou dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). No início deste ano, tiveram seus contracheques reajustados em 16,4% na esteira do aumento aprovado em novembro de 2018 para os magistrados do Supremo. Em São Paulo, por exemplo, os salários de promotor e procurador variam entre R$ 28,9 mil e R$ 35,5 mil, maiores do que os subsídios pagos ao governador do Estado, João Doria (PSDB), fixados em R$ 23 mil – e que representa o teto das demais carreiras no Executivo estadual.
Promotores encarregados de investigar crimes como corrupção e lavagem de dinheiro e casos de improbidade administrativa de agentes públicos afirmam que o aumento das aposentadorias pode comprometer, em breve, o andamento de investigações, como as decorrentes da Operação Lava Jato e do crime organizado. Segundo dados do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), São Paulo tem média de 4,8 promotores a cada cem mil habitantes, índice superior apenas aos dos Estados da Bahia, Pará e Pernambuco. O líder do ranking é o Acre, com 11,5. O Rio de Janeiro tem 5,6. O fenômeno da onda de aposentadorias não está restrito ao MP paulista. Dados levantados pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União (CNPG) apontam ao menos 110 aposentadorias de procuradores e promotores em outros dez Estados, com destaque para Minas Gerais (22) e Rio de Janeiro (12).
“A situação de São Paulo é só a ponta do iceberg”, afirmou o presidente do CNPG, Paulo Cezar dos Passos, que é procurador-geral no Mato Grosso do Sul. “Vemos muita gente pedindo contagem do tempo de serviço (medida necessária para se aposentar). Os colegas estão desestimulados. A percepção é de que isso vai impactar a atividade do Ministério Público, principalmente aqueles menores, com menos de cem membros. Isso vai acarretar um prejuízo à prestação jurisdicional ao cidadão”, argumentou ele. Concurso. Os procuradores ressaltam a dificuldade de repor os cargos vagos e o impacto que as aposentadorias não previstas provocam na base da instituição, já que a cadeira de procurador é ocupada com a progressão de um promotor experiente, provocando um efeito cascata nos cargos abaixo. E, para preencher vaga de promotor em início de carreira, seria preciso abrir concurso público, o que poderia levar até dois anos e demandaria gastos.
“A reposição é lenta e não se faz na proporção de um para um. Inevitavelmente, acaba gerando um déficit de pessoal”, afirma o presidente da Associação Paulista do Ministério Público (APMP), Paulo Penteado Teixeira Junior, coordenador do grupo de trabalho sobre previdência na Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
Mesmo com o apoio parlamentar demonstrado na votação da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados, os procuradores de Justiça acreditam que ainda seja possível reverter alguns pontos da proposta no Senado. Na última quarta-feira, uma comitiva se reuniu com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator do projeto na Casa, para pedir alterações em artigos considerados críticos. Entre as principais queixas, estão a alíquota progressiva, que pode elevar a contribuição previdenciária de um promotor de R$ 3,7 mil (11%) para R$ 5,6 mil (16,8%) sobre o salário bruto (R$ 33,6 mil); a redução de até dois terços da pensão por morte, hoje em R$ 25,3 mil; e as regras de transição para quem entrou na carreira a partir de 2004. “Todos nós temos consciência de que a reforma da Previdência é necessária. O problema é que tem muitos pontos que não atentam para as peculiaridades das carreiras de Estado. Aqueles que entraram após 2003 e recolheram (INSS) pelo teto salarial, por exemplo, vão ter de se aposentar pelo teto do regime geral”, disse o presidente do CNPG, Paulo Cezar dos Passos. O Estadão
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