O livro The promise of politics, de Hannah Arendt, deveria ser leitura obrigatória nas academias. Se, por um lado, desmistifica a concepção errônea de política que nos foi passada, por outro, encoraja-nos no exercício de um papel ativo em prol de mudanças sociais.
Segundo a autora, parte da aversão à política deve-se a Platão, que deformou o seu sentido, criando uma lacuna entre o pensar e o agir, o que formaria a concepção da política por séculos. Embora os romanos estivessem afeitos a questões políticas, Roma não produziu nem um filósofo à altura de ir de encontro às ideias gregas. Em Marx também não se encontra uma valorização da política. Ao contrário, o autor evidencia desinteresse ao venerar o trabalho e a produção ao invés de uma atividade pluralística de discurso político.
Na sociedade moderna, o repúdio à política ainda é muito presente. As pessoas têm negativas pressuposições sobre as atividades políticas. Assim é que política está associada com corrupção, tirania, desonestidade, burocracia, o que acaba por desencadear diversos pensamentos em diferentes contextos. Ainda mais no século XXI, em que permanecem vivos na memória os reflexos do totalitarismo presente em diversos países. Daí um prejuízo incalculável na reputação e valorização das atividades políticas.
Política é um essencial componente da liberdade humana, pois, além de propiciar o crescimento das pessoas, participar da vida pública é vital para o ser humano. O seu repúdio é uma espécie de negação à autonomia pessoal. Política significa a exteriorização de cada indivíduo do que entende útil para o aperfeiçoamento da sociedade em que vive. Das muitas formas de participar, dentre elas com o voto, fazer política é sair da passividade e sentir-se agente atuante na modificação dos rumos da sociedade em que se vive.
Política é o que os homens fazem juntos e se desenvolve de modo diferente entre eles. Daí a necessária pluralidade, o discurso, a não-coerção e a igual liberdade de discussão. O caminho para se livrar de totalitarismo ou política do gênero é a paixão e a ação dos cidadãos. A participação de todos é indispensável.
O direito, por sua vez, exerce papel fundamental na concretização da política: estabelece as pré-condições para a sua realização. Cria o espaço para a política ocorrer. Espaço sem direitos são políticas vazias. Assim, o direito não restringe as ações políticas, antes, as incentiva.
Quando se analisa o direito constitucional, por exemplo, percebe-se a criação de vários espaços políticos, como promoção de bem-estar, garantia de direitos fundamentais e sociais, fiscalização dos gastos públicos pelos cidadãos, ideal de orçamento participativo, dentre outros. Em surgindo alguma lei limitando esse espaço, o controle de constitucionalidade certamente banirá a sua aplicação.
A política como meio para promoção do fim visado pelo direito, não implica total confusão das duas esferas (aqui a grande celeuma entre saber o que está ou não ao alcance do controle Judiciário). Para alguns, a Justiça é o meio comum de forçar o cumprimento de políticas públicas. Assim, juízes seriam árbitros que fortalecem a aplicação de políticas públicas. Para outros, o campo político está ausente de controle judicial, por obediência à separação de poderes. Há ainda quem pense na relação entre política e direito, sustentando que a legislação não exaure a política, a ponto de ser o único caminho para fazê-la. Daí, também, a finitude do judiciário na aplicação da lei como meio de implantação da política nela inserida.
Sem dúvida, o Judiciário é um caminho para se demonstrar as patentes injustiças e concluir num melhor entendimento do que seja um caminho mais justo. A cooperação entre os poderes é essencial, embora não haja claros limites na sua separação. Ao mesmo tempo em que não se defende um ativismo judicial na implantação de políticas públicas, não se pode aceitar o total desligamento da política do controle do direito. Alargar ou diminuir o acesso ao Judiciário como via de implantação de política pública, parece ser um problema ainda não solvido. Mas não significa que a Constituição não contempla meios de seu exercício judicial. Há zonas claras de atuação em que todo cidadão deve se sentir confortável para atuar, desde o voto, o poder de elaborar projetos de leis, a prerrogativa de fiscalizar as contas públicas e encaminhar denúncia ao Tribunal de Contas, até a sua participação na elaboração do orçamento público.
Entender a importância da política, seu desenho gizado pela Constituição e o papel do cidadão, constitucionalmente previsto, como agente fiscalizador e transformador da realidade social, é de crucial importância na construção do mundo que sonhamos. Assunto dessa dimensão não pode passar despercebido nos nossos dias, mais ainda num ano de eleições.
A moeda má não pode expulsar a moeda boa. Sejamos políticos.
Harrison Leite é advogado, especialista em Processo Civil pela Uesc, doutor em Direito Tributário pela UFRGS, com estágio na University of Edinburgh e professor em Direito Tributário e Financeiro da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
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