domingo, 14 de agosto de 2011

O BRASIL EXPLICADO EM GALINHAS

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e o
levaram para a delegacia. 

D – Delegado
L – Ladrão
 

D – Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que
comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
L – Não era para mim não. Era para vender.

D – Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio

estabelecido. Sem-vergonha!
L – Mas eu vendia mais caro.

D – Mais caro?

L – Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as

minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos
enquanto as minhas botavam ovos marrons.
D – Mas eram as mesmas galinhas, safado.

L – Os ovos das minhas eu pintava.

D – Que grande pilantra.. (mas já havia um certo respeito no tom do delegado…)

D – Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega…

L – Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar

mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os
preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos
outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um
oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio..
D – E o que você faz com o lucro do seu negócio?
 
L – Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas.
Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui
exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de
alimentação do governo e superfaturo os preços.
 

O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a
cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois
perguntou:
D – Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?

L – Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o

que tenho depositado ilegalmente no exterior.
D – E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?

L – Às vezes. Sabe como é.

D – Não sei não, excelência. Me explique.

L – É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma

coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo
uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu
me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso,
finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.
D – O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.

L – Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!

D – Sim. Mas primário, e com esses antecedentes…

(Luis Fernando Veríssimo)

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